José Galissá, um “griot” mandinga em Portugal [1] (documentário, 20 min.)



José Barbieri

IELT
Universidade Nova de Lisbonne
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Índice





























José Braíma é um Galissá, um tocador de Kora. “Galissá” é um termo que define uma classe social do extinto reino mandinga de Gabu (com capital na cidade de Gabu e ocupando uma área correspondente à actual Guiné-Bissau, parte do Senegal e Guiné-Conacri). Esta classe de músicos-trovadores compunha e improvisava para a classe dominante do reino, cantando os feitos dos personagens que os contratavam. Também serviam de arautos do reino, difundindo directivas e notícias. José Braíma pertence a uma família de mestres músicos-trovadores, que reivindica a origem mandinga desta arte e deste instrumento. Este Galissá afirma que aprendeu a sua arte com os pais, tios e avós, mestres construtores e tocadores de korá, facto confirmado pelo etnomusicólogo português Domingos Morais que conheceu e trabalhou com o pai de José Braíma. Em Gabu, o ensino da arte do Korá foi mantido pela familía Braíma Galissá, que recebe aprendizes de todo o mundo e continua a usar o método tradicional de aprendizagem.

Acompanho há alguns anos o percurso deste músico e mostro neste filme um episódio que me parece pertinente para o presente encontro: durante a guerra civil da Guiné-Bissau em 1998, navio mercante português irrompeu no porto de Bissau e salvou cerca de 2400 civis que estavam sob fogo de artilharia das duas facções beligerantes. José Galissá, a partir deste acontecimento, compôs uma canção de agradecimento ao comandante do navio; esta canção, ao contrário do resto do seu reportório, é cantada em português e tornou-se conhecida na Guiné e em Portugal. Este acto de reacção a um acontecimento contemporâneo tornado performance artística, esta mudança de língua, parece ilustrar o mecanismo básico do repentista, realizado por um criador que alicerça a sua actividade numa das culturas que ajudou a formar o tecido artístico lusófono. Mostra-nos ainda uma linha de criação que pode contribuir para melhor compreender a parte performativa do cordel. José Braíma explicou-me cada passo da construção desta narrativa, permitindo conhecer parte do seu processo criativo. Apercebemo-nos assim do processo de depuração poética, dos códigos de comunicação utilizados, da condensação da informação que se optimiza para a comunicação e replicação por via oral.

Em todo este processo não existe acto de escrita e publicação em papel, mas mostra-nos o mecanismo de escrita oral e publicação/replicação performativa. Filho de uma cultura islamizada há mais de 500 anos (o reino de Gabu era tributário do Império de Mali onde se situava Timbuktu) José Braíma define este processo como "escrita corânica", atendendo ao modo de aprendizagem colectiva do corão.






Nota

[1]. Ver o vídeo em UPTV : http://uptv.univ-poitiers.fr/ (palavra-chave : « cordel »).